“Racismo em Português” é um livro e uma série televisiva criados por Joana Gorjão Henriques, uma jornalista que trabalha no jornal Público. Comprei-o pensando que fosse um documentário sobre o racismo em Portugal mas não é. A jornalista entrevistou várias pessoas – jornalistas, músicos, ativistas – em cada um dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa (“PALOP”). O objetivo do documentário é confrontar o racismo do Império português e os efeitos que permanecem nos países ex-coloniais nos dias de hoje. Estou ligeiramente desiludido porque queria saber mais sobre a realidade em Portugal em si, mas não importa muito porque este assunto é fascinante também. Não há narração durante o documentário. A jornalista deixou os entrevistados falarem sem os interromper. Foi interessante ouvir as opiniões deles sobre o seu ambiente, onde tantos edifícios ficam com o estilo do antigo poder colonial, e sobre as atitudes mentais que persistem ainda na vida cultural do povo.
Quanto ao livro, a narrativa é mais estruturada: a jornalista encaixa as palavras transcritas dos entrevistados num contexto que (segundo a sua própria introdução) retira muita inspiração do pós-modernismo que está muito na moda em círculos académicos nos Estados Unidos, que tem uma visão muito simplificada do percurso da história, e uma visão de racismo para com pessoas negras como o pecado original que explica todos os males dos nossos tempos. Isso ressoa em várias entrevistas também, mas parece-me que a jornalista amplifica-o ainda mais. Uma entrevistada fala de “micro-agressões” que faz pouco sentido em geral mas faz ainda menos numa sociedade onde brancos e mestiços de pele clara constituem uma minoria da população. No capítulo sobre a situação em Angola, ela fala de “privilégio branco” ainda que haja poucos brancos para serem privilegiados. Um mestiço (ou seja “produto da miscigenação” 😬) pergunta-se “Será que eu preferiria não existir, será que isso teria tirado algum peso, o não ter havido colonização [….] Então não dá para responder porque eu não estaria cá para responder e não há como comparar porque não há como voltar atrás”. Esta conversa marcou-me muito, tanto no livro quanto no documentário, porque a vida daquele homem é emblemática do estado em que nos encontramos no século XXI. Devemos escolher: ou nós focamos no passado ou no futuro. Ou responsabilizamos as pessoas claras por existirem e por serem ‘privilegiadas’ ou afastamo-nos da ideia de raça e trabalhamos para criar um mundo em que nos tratamos como se fôssemos iguais porque somos iguais mesmo, digam o que os racistas disserem.
