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Jovens Guineenses e a Língua Portuguesa

Li recentemente um artigo que tinha estado na minha pasta de marcadores há quase um ano, sobre um grupo de jovens guineenses que pede um debate nacional sobre o uso da língua portuguesa. Segundo a manchete, estes jovens exigem “respeito pela língua e pela história de Portugal”.

Guiné-Bissau é um país pequeno onde se fala português por causa de ter sido conquistado pelo Império português. Porém, é rodeado por outros países cujas línguas e culturas foram moldadas por colonizadores ingleses e franceses. Portanto, o que é em causa é a divisão entre o povo, que fala português, e as empresas internacionais que fazem concursos pela região toda, abrangendo muitos países. Há quem tenham de assinar papéis os conteúdos de quais não entendem, ou que não conseguem emprego porque não podem falar a língua do Senegal ou da Gâmbia. Ficam marginalizados e desfavorecidos no seu próprio país.

Mas a situação é ainda mais complexo porque no corpo do artigo também há uma citação de um jovem que estudou no estrangeiro, que fala melhor francês do que português e sentiu-se alvo discriminação também por causa disto! Há quem sugira que o país até está em perigo de deixar de ter português como língua materna e passar para o inglês ou o francês.

Para acrescentar mais complicações, português é a língua oficial do país, mas é falado por apenas 9 por cento do país como língua materna. Mais 50 por cento falam como língua segunda. Este número sobe para 90 por cento se contarmos kriol (uma língua crioula baseada em português) mas existe um leque de línguas indígenas. Podemos imaginar as línguas europeias (e crioulas) como “línguas francas” que servem para facilitar comunicação entre pessoas de diversas etnias que também têm os seus próprios idiomas, mas infelizmente, há mais do que uma língua franca, por causa da divisão do continente por potências rivais. É complicado e não acho que existam soluções fáceis.

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Racismo Em Português

Racismo Em Português de Joana Gorjão Henriques
Racismo Em Português

Racismo em Português” é um livro e uma série televisiva criados por Joana Gorjão Henriques, uma jornalista que trabalha no jornal Público. Comprei-o pensando que fosse um documentário sobre o racismo em Portugal mas não é. A jornalista entrevistou várias pessoas – jornalistas, músicos, ativistas – em cada um dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa (“PALOP”). O objetivo do documentário é confrontar o racismo do Império português e os efeitos que permanecem nos países ex-coloniais nos dias de hoje. Estou ligeiramente desiludido porque queria saber mais sobre a realidade em Portugal em si, mas não importa muito porque este assunto é fascinante também. Não há narração durante o documentário. A jornalista deixou os entrevistados falarem sem os interromper. Foi interessante ouvir as opiniões deles sobre o seu ambiente, onde tantos edifícios ficam com o estilo do antigo poder colonial, e sobre as atitudes mentais que persistem ainda na vida cultural do povo.

Quanto ao livro, a narrativa é mais estruturada: a jornalista encaixa as palavras transcritas dos entrevistados num contexto que (segundo a sua própria introdução) retira muita inspiração do pós-modernismo que está muito na moda em círculos académicos nos Estados Unidos, que tem uma visão muito simplificada do percurso da história, e uma visão de racismo para com pessoas negras como o pecado original que explica todos os males dos nossos tempos. Isso ressoa em várias entrevistas também, mas parece-me que a jornalista amplifica-o ainda mais. Uma entrevistada fala de “micro-agressões” que faz pouco sentido em geral mas faz ainda menos numa sociedade onde brancos e mestiços de pele clara constituem uma minoria da população. No capítulo sobre a situação em Angola, ela fala de “privilégio branco” ainda que haja poucos brancos para serem privilegiados. Um mestiço (ou seja “produto da miscigenação” 😬) pergunta-se “Será que eu preferiria não existir, será que isso teria tirado algum peso, o não ter havido colonização [….] Então não dá para responder porque eu não estaria cá para responder e não há como comparar porque não há como voltar atrás”. Esta conversa marcou-me muito, tanto no livro quanto no documentário, porque a vida daquele homem é emblemática do estado em que nos encontramos no século XXI. Devemos escolher: ou nós focamos no passado ou no futuro. Ou responsabilizamos as pessoas claras por existirem e por serem ‘privilegiadas’ ou afastamo-nos da ideia de raça e trabalhamos para criar um mundo em que nos tratamos como se fôssemos iguais porque somos iguais mesmo, digam o que os racistas disserem.

The ruins of empire… And whether I’m referring to the image on the TV or the mess that surrounds it, I’ll leave it to you to decide.