Neste romance angolano, vemos o mundo do ponto de vista de um jovem que mora num país opressivo, que é ficcional mas é uma versão (se não me engano) da Angola atual. Embora o narrador seja o protagonista, o personagem mais interessante (para mim) é o seu primo, Mateus. Idealista e lutador, este jovem enfrenta a corrupção quotidiana e recusa aceitar os comportamentos e as cunhas que estão a enfraquecer o seu país. Na perseguição deste objetivo, o Mateus, o narrador e um amigo deles, encontram o Sr. Zé que quer levar a cabo uma mudança social. O narrador é mais novo do que o Mateus e não entende perfeitamente o que está a acontecer ao seu redor.
Com humor e emoção, o autor lança uma crítica contra vários aspectos do sistema social. Claro que não conheço o seu país suficientemente para julgar quão exato seja esta crítica, e é muito provável que tenha perdido algumas coisas, mas foi interessante vislumbrar o mundo pelos olhos do seu protagonista.
Mais uma expressão encontrada no meu romance angolano, “E O Céu Mudou de Cor”. Durante uma conversa entre a tia e o irmão do narrador e o filho dela, ela anda a repetir a expressão “aquilo é Estado”, com letra maiúscula na última palavra. Fiquei ligeiramente confuso porque não entendi o que significa Estado neste contexto, mas após ter perguntado à minha professora, e depois pedido conselho aos sábios do Reddit, parece-me óbvio, e mal acredito que o achei difícil.
A tia é um funcionário num serviço na administração pública (o governo, o estado) e por isso é pouco trabalhadora. Há quem ache que todos os funcionários no setor público têm esta atitude e sem dúvida existem também funcionários que realmente têm. A falta de responsabilidade por parte de uma pessoa cujo emprego é garantido, e a falta de financiamento disponível para desembolsar bens ao público dá num serviço que realmente não serve para nada. Os funcionários fazem orelhas moucas aos clientes.
Ou isso acontece mesmo ou um cliente que foi recusado por um funcionário culpa a preguiça e a arrogância dos funcionários. Mas é claro que, neste livro, a tia do protagonista é assim: uma funcionária que não funciona, um exemplo de corrupção do baixo nível.
Um membro angolano da comunidade r/Portugal confirmou que a frase e o sentimento são comuns em Angola.
Mas claro que Angola não é o único país que tem estes problemas. Existem por todo o lado, mas acho que o escritor pretende criticá-los na sua própria terra. Mais tarde na mesma história, o irmão diz que ele vai procurar trabalho e a tia responde com mais um exemplo de injustiça: “Não te preocupes(…) Nem vais ter que te dar ao trabalho de procurar por emprego nenhum. Já tenho uma cunha montada para ti (…) Já tá tudo acertado (…) podes até começar já amanhã se quiseres, o meu chefe não se importa”. A oferta é rejeitada porque o seu sobrinho não quer ficar metido num compromisso injusto: “Os tempos mudam e vão mudar, tia!”
Esta palavra “Cunha” já é conhecida porque surgiu no diálogo do “As Crónicas dos Bons Malandros” sobre o qual escrevi há 3 anos. Significa uma oferta de ajuda, emprego, ou outra bem, feita por uma pessoa influente, e é mais um exemplo de corrupção.
This is a corrected version of the text from some Instagram posts from Friday
“Matei aulas*” para assistir aos primeiros dois discursos da Feira Literária Internacional de Língua Portuguesa que teve lugar na sede do Facebook em Londres. Foi um evento muito descontraído, e gostei muito de ouvir as suas experiências como escritores lusófonos, muitos dos quais vivem aqui no Reino Unido. Falei com muitos convidados: escritores de… hum… quatro países, e um inglês casado com uma brasileira que também fala português.
Apenas uma pessoa falou comigo em inglês mas houve várias que se ofereceram, antes de eu ter explicado que sou dinamarquês e não falo uma única palavra daquele idioma.
Sendo pai de uma escritora novata, estava disposto a comprar livros de outros escritores independentes e auto-publicados. E sendo estudante de português, também me senti disposto a comprar qualquer coisa de alguém que elogiasse o meu domínio da língua 😉 Consequentemente, gastei muito dinheiro em livros novos. A minha pobre TBR.
Saí do prédio antes de publicar esta série de fotos porque receei ser preso pela polícia Zuckerberguista por ter divulgado a palavra-passe da sua rede Wi-Fi
Balanço do dia
Estou muito curioso sobre “E O Céu Mudou de Cor” de Israel Campos (🇦🇴) porque o resumo na contracapa soa interessante, e depois de comprar, assisti a um painel em que o autor participava com mais 3 escritores e escritoras e pareceu-me muito simpático.
Penina L Baltrusch (🇧🇷) é uma autora de políciais. Comprei o “Herança de Sangue” (o seu primeiro, se não me engano). Tem o Big Ben na capa porque tem Londres como cenário. ‘tá bem, estou aqui com as pipocas.
Lorena Portela (🇧🇷) estava a vender o seu romance de estreia, “Primeiro eu Tive que Morrer”, que é «um inventário da autodescoberta de uma mulher». Acho que não faço parte do mercado-alvo deste livro, mas não me importa, apetecia-me e não preciso de mais razões!
“Phobos” de Cláudia Matosa (🇵🇹) é o único livro em inglês e… Eh pá, acabo de dar uma espreitadela à primeira página: é contado na segunda pessoa! Um modo muito incomum (a não ser que o autor seja o Mohsin Hamid) Não estava à procura de livros ingleses mas gostei da capa 🤷🏼
E o último livro é o “Livre de ser Preso” de Alcino G. Francisco (🇵🇹). Segundo a sua biografia na contracapa, este autor está muito ativo no intercâmbio cultural entre os nossos países, e este livro foi lançado no 50° aniversário do 25 de Abril e conta a história do tráfico de livros proibidos durante a época de Salazar.
Além destes cinco livros, também falei com a autora Isabel Mateus (🇵🇹), cujo leque de publicações inclui um relato de uma viagem seguindo os passos de Miguel Torga, entre vários outros. Não tinha livros para vender mas após a feira encomendei um livro sobre um Lince Ibérico e uma antologia de contos rurais. Achei que ambos seriam interessantes e também fariam parte dos meus estudos porque a conservação de animais selvagens, e as tradições do país fornecem conteúdos dos exames da língua portuguesa.
*Leaving this in even though it’s brazilian. I just like it. Weirdly, the person who taught it to me was very hostile not only to brazilian portuguese but to all brazilians, so you could have knocked me down with a feather when I heard she’d taught me a brazilian expression. Oh well, people are weird sometimes.
Então, ainda não falei da rainha, Cesária Évora? Tive a sorte de assistir a* um espetáculo dela em… hum… 2001, se não me engano. Naquela altura, não falava nem uma palavra de português mas mesmo se falasse não me teria ajudado porque a maior parte da obra dela está em Crioulo Cabo-Verdiano. Fomos com a tia da minha esposa. A minha esposa nasceu no Cabo Verde e viviu lá durante os seus primeiros anos, antes da família dela ter voltado para a Madeira. A cantora tinha uma maneira muito relaxada de se apresentar na sala de concertos. Não parecia ser muito animada. Só cantou de pés descalços**. Havia uma mesa no centro do palco e, durante o seu intervalo, a banda continuou a tocar enquanto ela sentou-se numa poltrona, acendeu um cigarro, deitou um pouco de vinho num copo*** e ficou tranquila, nem sequer olhando o público durante 3 ou 4 minutos até à abertura da próxima música.
Queria fazer uma tradução da sua canção “Angola”, que é empolgante, mas claro que preciso da ajuda de um português que entenda o crioulo. Roubei as letras deste site, mas acho que o homem que fez esta tradução parafraseou um pouco. Por exemplo, aquela primeira linha tem uma conjugação do verbo “viver”, sem dúvida. Acho que ela diz “Essa vida boa que os senhores estão a viver”. Existem vários sites online onde se explicam estas línguas parecidas com o português padrão – por exemplo, aqui está a descrição de “nhôs” no Infopedia . E tenho as minhas dúvidas sobre a interpretação de “Ami nhos ca ta matá-me” porque parece-me tão descabido no contexto… mas tenho de confiar no tradutor porque ele afirma que é fluente!
A música é linda. Eu não sei nada de teoria da música e se calhar, estou completamente errado, mas parece-me influenciado pela música do Brasil, com um ritmo sincopado que me lembra o**** Samba, mas é mais do que só uma cópia: muito mais. Tem um som único, e a voz dela é… Ouso dizer “ouro sobre azul”? O efeito da voz e da música é esmagador!
*I need to smack myself in the head with a frying pan a few times till I remember to put the “a” after “assistir”
**I’m only talking about the concert but I could easily have said the same about her career.
***I really screwed this sentence up – I tried to use the verb “derramar”, which isn’t even the right verb (it means spill) but then I managed to get it even wronger and wrote “derrubar”. I think deitar is the right verb even though it sounds weird – I usually associate it with laying something down or chucking it away. I also wanted to express the idea that she poured out a few sips worth, but that didn’t go any better. Hopefully this works. the easy way would be to say “encheu um copo” because why wouldn’t you want to fill it all the way up? But I was trying to be more specific than that. Sigh. This seems like a very basic thing to be confused about when I’m meant to be at C1 level.
****Not “do Samba”: “it reminds me of” doesn’t have de, whereas “i remember” does – so the preposition use is pretty much the opposite of english, really!
Crioula
Português
Inglês
Ess vida sabe qu’nhôs ta vivê Parodia dia e note manché Sem maca ma cu sabura Angola angola Oi qu’povo sabe Ami nhos ca ta matá-me ‘M bem cu hora pa’me ba nha caminho Ess convivência dess nhôs vivência Paciência dum consequência Resistência dum estravagância
Essa vida boa que vocês têm Paródia dia e noite até de manhã Sem mágoas, com alegria Angola, Angola Oh que povo alegre A mim não me matam Venho com hora para partir A convivência na vossa vivência Paciência duma consequência Resistência duma extravagância
That good life you’re living Parodies, day and night, until morning Without pain, but with happiness Angola, Angola Oh what a happy people They don’t kill me I come when it’s time to be on the way The way living together is a way of life Patience of consequence Resistance of extravagance
Thanks to Cristina of Say it in Portuguese for correcting the text description above the video.
“Racismo em Português” é um livro e uma série televisiva criados por Joana Gorjão Henriques, uma jornalista que trabalha no jornal Público. Comprei-o pensando que fosse um documentário sobre o racismo em Portugal mas não é. A jornalista entrevistou várias pessoas – jornalistas, músicos, ativistas – em cada um dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa (“PALOP”). O objetivo do documentário é confrontar o racismo do Império português e os efeitos que permanecem nos países ex-coloniais nos dias de hoje. Estou ligeiramente desiludido porque queria saber mais sobre a realidade em Portugal em si, mas não importa muito porque este assunto é fascinante também. Não há narração durante o documentário. A jornalista deixou os entrevistados falarem sem os interromper. Foi interessante ouvir as opiniões deles sobre oseu ambiente, onde tantos edifícios ficam com o estilo do antigo poder colonial, e sobre as atitudes mentais que persistem ainda na vida cultural do povo.
Quanto ao livro, a narrativa é mais estruturada: a jornalista encaixa as palavras transcritas dos entrevistados num contexto que (segundo a sua própria introdução) retira muita inspiração do pós-modernismo que está muito na moda em círculos académicos nos Estados Unidos, que tem uma visão muito simplificada do percurso da história, e uma visão de racismo para com pessoas negras como o pecado original que explica todos os males dos nossos tempos. Isso ressoa em várias entrevistas também, mas parece-me que a jornalista amplifica-o ainda mais. Uma entrevistada fala de “micro-agressões” que faz pouco sentido em geral mas faz ainda menos numa sociedade onde brancos e mestiços de pele clara constituem uma minoria da população. No capítulo sobre a situação em Angola, ela fala de “privilégio branco” ainda que haja poucos brancos para serem privilegiados. Um mestiço (ou seja “produto da miscigenação” 😬) pergunta-se “Será que eu preferiria não existir, será que isso teria tirado algum peso, o não ter havido colonização [….] Então não dá para responder porque eu não estaria cá para responder e não há como comparar porque não há como voltar atrás”. Esta conversa marcou-me muito, tanto no livro quanto no documentário, porque a vida daquele homem é emblemática do estado em que nos encontramos no século XXI. Devemos escolher: ou nós focamos no passado ou no futuro. Ou responsabilizamos as pessoas claras por existirem e por serem ‘privilegiadas’ ou afastamo-nos da ideia de raça e trabalhamos para criar um mundo em que nos tratamos como se fôssemos iguais porque somos iguais mesmo, digam o que os racistas disserem.
The ruins of empire… And whether I’m referring to the image on the TV or the mess that surrounds it, I’ll leave it to you to decide.
Jinga (ou Ginga) Amande foi uma rainha no século XVII numa parte do território atualmente conhecido por Angola. Durante a ocupação portuguesa o seu pai, Quilombo tornou-se rei do território de Dongo. No seu falecimento, o seu irmão conquistou* o trono e Jinga fugiu para Matamba com o filho. Em 1621, o rei português mandou a conquista do território de Dongo para alimentar o mercado transatlântico de escravos. Perante esta ameaça, o irmão de Jinga pediu-lhe para enviar uma embaixada a Luanda onde o governador português tinha a sua sede. Jinga apresentou-se vestida em roupas tradicionais, mostrando a sua independência do poder dos europeus. Achando a sala de audiências sem cadeiras e com apenas uma almofada (para forçar os africanos a assumir uma posição de submissão face ao governador) ela mandou que um soldado ficasse de gatas no chao para que ela o pudesse usar como móvel humano.
Conseguiu fazer um tratado com os portugueses, preservando os direitos mais importantes em troca de conversão e ensino do cristianismo e de ligações comerciais com o império. Jinga foi baptizada e a partir dessa dia chamou-se Ana de Sousa, baseado no nome da sua madrinha, a esposa do governador. Mas esta transformação não foi o mais esquisita na vida dela como vamos ver a seguir.
Após a morte do seu irmão, Angola Ambade (Angola significa “Rei” além de ser o nome do país), o rival dele, Hari (também conhecido por João por aliança com os cristãos) tomou o trono. Jinga fugiu para Luanda, reuniu um exército e reassumiu o trono por força de armas.
Como a maioria das sociedades, Dongo era uma cultura machista. Jinga não foi capaz de ganhar a lealdade do povo nem da aristocracia por ser mulher. Portanto, em meados da década de 1640, “tornou-se homem”. Daí em diante, ela (vou continuar com “ela” para simplificar esta narrativa apesar do disfarce!) era “o rei” e liderou a gente em batalha contra os portugueses e contra um outro império, o holandês. Foi relativamente bem sucedida. No fim do seu reino, os territórios sob o seu controlo eram livres e com potencial de desenvolvimento apesar dos longos anos de guerra. Permaneceram neste estado feliz até 1741 quando foram integrados na Angola Portuguesa.
Há uma última lenda que quero abordar neste texto: segundo um boato da época**, Jinga manteve um harém de escravos masculinos. A vida destes amantes da rainha não era assim tão má, tirando o facto que de cada vez que ela escolheu um com quem ter relações sexuais o mesmo era morto no dia seguinte.
Noutras palavras era a Madonna da sua época.***
*=I was going for the idea of “seized the throne” as a result of a power struggle, not a straightforward ascent. Tomar or conquistar seem to fit here, not either of the words I originally chose!
**=The corrector pointed out that calling it both a lenda (legend) and a boato (rumour) is a bit contradictory… Well, maybe but I’m pinching all this from Wikipedia and the line between legend and rumour is a little blurry there…
***=I don’t even know why I wrote this except that it was a good excuse to use the phrase “noutras palavras”. Madonna is not, to the best of my knowledge, a Viuva Negra (black widow spider)
Trata-se da história sobre os últimos dias da colónia portuguesa em Angola. Vemos a história pelos olhos dum adolescente. Logo no inicio da historia, a sua família está em casa em Angola, preparando para viajar a Portugal, mas há uma problema e o pai é detido pelas novas autoridades. O rapaz, a irmã e a mãe continuam a viagem para a nova vida na Europa.
Fiquei muito impressionado pelo segundo capítulo. É escrito como um discurso da directora dum hotel em que a família de retornados fica quando chega à “metrópole”. Não há nenhum parágrafo nenhuns, só um bloco de texto ininterrupto, que mostra como é que a directora fala com os hóspedes: rapidamente e sem escutar. Ela tem muito orgulho das cinco estrelas que tem o seu estabelecimento. Consola-os por método de descrever o azar das coitadas de famílias que também voltaram de África e se encontraram sem abrigo ou numa alojamento sujo ou dilapidado. Comparada com estas pessoas a família tem muita sorte! É um bom resumo para leitores tal como eu que tem pouco conhecimento sobre a situação dos retornados daquela época. Entrelaçado com a sua lista de desgraças, a directora explica as regras do hotel e repete as mais importantes muitas vezes. Através do discurso, revela-se que a directora é uma pessoa muito controladora. Pois claro, ela ajuda essa família e outras por disponibilizar o hotel, mas também não confia em todos os hospedes. O seu hotel não parece muito acolhedor, apesar das estrelas. O capítulo estabelece, brevemente e nitidamente, o contexto da história e o carácter da directora perfeitamente!
O resto da historia descreve a sua vida em Portugal, à espera do pai, com receio do pior, tentando estabelecer-se num país desconhecido, em que tudo está em fluxo e “os de cá!” têm preconceito contra “os de lá”. Às vezes, é tocante, às vezes engraçado. mas sobretudo, tive uma impressão muito forte do caos da época, pós-revolucionário, em que a república estava a tentar estabelecer uma nova ordem e simultaneamente a procurar abrigos para as ondas de retornados.
Thanks very much to Joyce for helping with the corrections. Joyce is Brazilian and I’m not 100% sure I correctly interpreted all the changes since some were typical grammatical differences (dropping definite articles before determinates, and not merging em and um to make num) and some spelling differences (which should be corrected by the AO but I am being difficult)