
Queria analisar uma nova lei, a partir de um artigo de uma advogada, Teresa de Melo Ribeiro, mas logo no início, deparei-me com um obstáculo:
Tal lei – o Decreto da Assembleia da República nº 133/XV – teve na sua origem os Projectos* de Lei nºs 72/XV/1ª (BE), 209/XV/1ª (L), 699/XV/1ª (PAN) e 707/XV/1ª (PS), tendo sido aprovada à pressa (…)
Teresa de Melo Ribeiro no Observador
Muito interessante, mas que raio significa “Projeto lei”? E “Decreto lei”?
Para resolver o mistério virei-me para as páginas da Assembleia da República, onde achei uma resposta nas “Perguntas Frequentes”. De facto, existem 3 termos relacionados com a elaboração das novas leis.
Uma proposta de lei é uma nova lei redigida pelo governo ou pelas assembleias legislativas das regiões autónomas.
Um projeto de lei é semelhante, mas a iniciativa legislativa cabe aos deputados, aos grupos parlamentares ou a um grupo de cidadãos.
Sendo aprovada em plenário da Assembleia da República, qualquer uma destas iniciativas passa a dar à luz uma nova lei.
Um decreto lei é elaborado pelo governo executivo. Confesso que não compreendo bem a explicação deste processo misterioso dada no website mas consegui reter este pormenor!
Entendido? Boa! Vamos a isto!
Alguém disse uma vez que um camelo é um cavalo desenhado por uma comissão. Mas este decreto lei é resultado de quatro comissões: O decreto lei da presidência é baseado em três projetos de lei, redigidos pelo Partido Socialista, pelo Livre e pelo PAN. Não me admira que a lei é tão confusa; muitos países querem passar leis deste tipo, ainda que ninguém saiba o que é “identidade de género” e por isso as leis não têm hipótese de melhorar as vidas de ninguém. Tanto quanto sei, o Decreto lei ainda não está aprovado e a advogada espera que isso nunca aconteça.
A advogada sabe da sua profissão, sem dúvida e tenho a certeza absoluta de que a sua crítica de como as novas proibições interagem com leis existentes é correta**, mas não entendi patavina porque não conheço os códigos aos quais ela se refere. Mas as bases*** são óbvias: é absurdo dizer que uma cirurgia que muda permanente o corpo de alguém não é “conversão” mas deixar o corpo intacto é “conversão”. É ainda mais absurdo introduzir uma lei que proíbe a tortura e o abuso (que já são ilegais) mas que também proíbe atos voluntários que não prejudicam ninguém.
Eu achei menos persuasiva o seu apelo à liberdade de religião. Se estas práticas fossem prejudiciais, a religião não seria uma desculpa. Este princípio já se aplica a determinadas práticas culturais, por exemplo a mutilação genital praticada em zonas de África e do médio-oriente.
Também achei fraca a sua queixa de que “pergunta[mos] se a intenção do legislador com esta lei será realmente a proteção das pessoas LGBT+ ou não será antes um ataque às pessoas H?” Esta mania de perseguição não lhe fica bem.
Mas o grande problema com este tipo de lei, embora seja bem-tencionada, é que impõe uma narrativa simples numa situação complexa.
Vou focar este texto no contexto de “conversão” de transgéneros, e ainda mais especificamente em adolescentes, por vários motivos, mas principalmente porque não me importa se pessoas adultas**** optam por fazer***** cirurgias desnecessárias. O que me importa, acima de tudo, é que protejamos pessoas que ainda não são capazes de dar consentimento informado à terapia hormonal, drogas ou cirurgias porque não entendem as consequências das suas ações.
É muito normal que um adolescente sofra crises de identidade, doenças mentais e emoções confusas. A adolescência é assim. Não é nada surpreendente que o número de jovens que se identificam com a etiqueta de transgénero aumenta cada ano agora que se fala por todo o lado. Um psicólogo diligente, ao encontrar com um adolescente que se queixa****** de disforia de género, (sobretudo se também esteja a sofrer de depressão ou anorexia ou outras doenças mentais), tem a responsabilidade de adoptar um ponto de vista holístico face a este leque de problemas e deixá-los falar sobre as raízes dos seus sentimentos. Mas este modelo não é aceitável entre determinadas ativistas que acham que devemos afirmar a “identidade” dos adolescentes seja como for. Portanto uma psicóloga como a canadende Erica Andersen (que também é transgénero) é denunciada por praticar “terapia de conversão” porque ela só quer dar hormonas a quem (na sua opinião profissional) precisa delas em vez de a quem quer que peça. Se seguirmos essa lógica ninguém ousaria exercer qualquer julgamento profissional por receio de ir para a cadeia. E efetivamente é isto que está a acontecer porque os ativistas conseguem influenciar as leis em muitos países ocidentais simplesmente porque apresentam as suas crenças como se fossem uma verdade indiscutível.
Parece-me que a lei portuguesa cai na mesma armadilha: quando a advogada fala de “A amplitude, imprecisão e indefinição dos actos previstos” no decreto lei, acho que está a avisar contra leis que podem ser interpretadas duma maneira demasiado amplia. Os deputados que o redigiu queriam ajudar a nova geração de adolescentes que acreditam nestas ideias. Bem, aplaudo a sua vontade de ajudar as pessoas vulneráveis, mas acabaram por promulgar uma lei que vai isolar os jovens ainda mais dos serviços de saúde mental.
* Example of a word where a lot of people seem to use the old pre-AO spelling. I’ve stuck to what I think is the orthodox spelling in my own text, but this is a quotation so I have left it as it is in the original
**I made the silly error of saying that the argumant “tem razão” but a person tem razão, a thing está correto
***Not “os básicos” as I wrote originally. Anglicismo!
****Not just “adultos”
*****Fazer: you do surgery, you don’t have it. Translating too literally again.
******Another one! I wrote “se apresenta com” for “present with” which I think is a normal way of describing how a patient describes themselves on first entering a therapist’s office but seems not to be a thing in portugal
Thanks as always to Cristina of Say it in Portuguese for helping with the grammar but any unacceptable opinions you might find here are my own of course!
One thought on “A Semana Política – Terapias de Conversão Sexual”