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A Semana Política – As Elites Sujas e os Populistas Limpinhos

Há uma crise no ocidente, que, segundo o jornalista Miguel Sousa Tavares “Não é apenas uma deriva política, mas sim civilizacional”: o crescimento da extrema-direita. Acho que não tenho de explicar este fenómeno, porque todos nós já vimos o triunfo do Trump, do Brexit, de Viktor Orbán, entre vários outros. Não há dúvida de que existe mais que um grão da verdade nisto: a falta de confiança na classe política está a impedir os países de agir de uma maneira coerente portanto há uma oportunidade para a extrema-direita explorar.

Rui Tavares
Counterpoint to the idea that voting left avoids ending up with a governemt that is in cahoots with Putin-fondling extremist weirdoes

Tenho uma pequena discordância com o jornalista (ou pelo menos com o seu argumento neste texto): a divisão não é só entre a esquerda e a direita mas entre os que acreditam no sistema democrática e os populistas que querem derrubar tudo. Também há populistas na ala esquerda, que fala do ocidente como se fosse uma fantochada dos Estados Unidos, permanentemente manchado por imperialismo e privilégio e governado pelo “um por cento” sob controlo dos jud… hum, desculpa camarada, queria dizer “dos sionistas”. Mas ainda que esta espécie de populismo exista e esteja a crescer inquietantemente, a curto prazo, concordo que vivemos sob a sombra do crescente poder eleitoral dos partidos da extrema-direita.

A ameaça principal em Portugal vem do Chega, um partido fundado por André Ventura. Ventura tem muito em comum com o Trump: antigamente era uma personalidade televisiva; não se importa com as regras de decência; finge ser cristão; sabe o valor de um insulto afixado ao nome de um inimigo; é fã de vários ditadores estrangeiros como Salvini*, Bolsonaro e Orbán. Mas há diferenças também. Por exemplo, é mais novo do que Trump e como resultado não tem sintomas de demência; não tem ar de quem só queira ser aplaudido e como resultado faz mais esforço para planear o seu empenho num debate, e tanto quanto sei, por ter visto vídeos mais antigos, está a tornar-se mais competente no campo de batalha política.

Os populistas, em geral, exploram três espécies de problema:

  • Problemas difíceis, aos quais eles oferecem soluções fáceis: crime (penas aumentadas, enforcamento), imigração descontrolada (deportação, construção de muros), desemprego (serviço militar, mais deportações), desmoralização do povo (controlo da educação, aumento do poder da igreja), desigualdade (impostos maiores que curiosamente nunca afetam os seus amigos).
  • Problemas imaginários (ou seja teorias de conspiração): vacinas que contêm grafeno, uma rede de pedófilos sediada num restaurante de pizza em Washington DC; políticas que visam substituir os europeus por muçulmanos, milhares de dólares enviado por George Soros para Rui Tavares comprar roupas femininas… ou… ou seja o que for.
  • Corrupção dos membros da classe política. Claro que um escândalo que mostra uma falta de honestidade em alguns governantes do país põe em causa a confiança do povo na classe política. Há vários casos que lançam sombras nos políticos dos dias de hoje, entre eles:
    • O Processo Casa Pia – um deputado do PS esteve entre os acusados num processo contra os donos de um lar para órfãos. As alegações eram nojentas. Ocorreu há muito, mas pelo menos um amigo do deputado, Eduardo Ferro Rodrigues foi, até recentemente, presidente da assembleia da república e foi insultado como “pedófilo” durante uma manifestação contra as vacinas por causa disto.
    • O Caso Tutti-Frutti – Uma investigação sobre o funcionamento de listas de candidatos, incluindo abstração de finanças partidárias, tráfico de influência, branqueamento de capitais e outros esquemas nas eleições autárquicas de 2017. O processo está ainda em andamento e o político mais graduado nomeado até agora é Fernando Medina, o atual ministro das finanças. O próprio André Ventura está entre os acusados (naquela altura era vereador do PSD),
    • A Operação Marques – Um escândalo em torno de 23 milhões de euros obtido por um amigo do ex-primeiro-ministro José Sócrates, que a PSP acredita terem sido obtidos por Sócrates por métodos corruptos. Confesso que não entendo os pormenores porque há muitos mas o caso foi espoletado em 2014 mas ainda está em andamento e o político foi demitido e depois passou 9 meses em prisão preventiva, mas ainda não foi processado.
    • A Operação Influencer – Este é o escândalo mais recente, desencadeado em Novembro do ano passado, que deu cabo do governo de António Costa. Costa demitiu-se mas continua no seu posto até após as eleições em Março deste ano. As alegações têm a ver com grandes projetos de engenharia: Uma mina de lítio, uma fábrica de hidrogénio verde, e o que a Wikipédia chama um “data center” (“data centre” em inglês não-americano, “centro de dados” em português). António Costa ainda é alvo de investigação. Entretanto, o seu chefe de gabinete, Vítor Escária, está entre as 5 pessoas detidas, e o seu ministro das infraestruturas, João Galamba, foi constituído arguido.
Vítor Escária, (mentioned in that last bullet point), is the fella who had €75,800 stashed in the sideboard in his office, thus sparking this amazing Ikea ad and, by extension, any other furniture-related political ads made since.

Podemos descontar a validade do segundo destes grupos de problemas porque são produtos da imaginação coletiva da internet e não há nada a fazer exceto educar o povo em como ignorar tais bitaites. Mas quanto aos outros, como se combatem?

Dificilmente.

Convém lembrar que, por mais que os populistas finjam saber as soluções, sabem pouco, e não conseguem resolver os problemas que nos enfrentam. Igualmente, podem apontar os erros de determinados membros da classe política, mas uma vez que ganham poder, os populistas derrubam as instituições que impõem restrições no poder executivo: a imprensa, o sistema judiciário. Em breve, a corrupção desaparece dos jornais, não por ser eliminada mas sim porque é invisível: não há jornalismo independente e os tribunais também estão sob controle do governo.

Romeu Monteiro e Jovens de Portugal
Prominent IL activist uncovers apparent attempt to drive polarisation by sowing mistrust of the centre

Isto tudo é muito pessimista, não é? Mas não desesperem: apesar de não ter desempenhado bem nos debates** a AD está tão à frente do PS*** que provavelmente ganhará com uma maioria, em coligação com a Iniciativa Liberal, sem precisar de se juntar com o Chega****. Espero que os partidos perto do eixo político aprendam as lições de populismo: comecem a escutar a voz do povo e a serem impecáveis na sua conduta para acalmar a raiva dos eleitores e diluir o veneno do populismo.

* Na versão original deste texto, inclui Vladimir Putin nesta lista mas foi um erro. No debate com Rui Tavares, o líder do Livro afirmou que “O líder de referência de André Ventura tem como referência Vladimir Putin”, que não é igual a dizer que o Ventura é fã do ditador próprio (ref Polígrafo)

**Ao contrário do que eu disse, acho que a maior parte dos comentadores acham que o Luís Montenegro perdeu o debate com Pedro Nuno Santos!

***Agora que penso nisto, não é muito confortante para os militantes do PS… desculpem!

****Porque é que isto é relevante? Havia muita especulação sobre alianças eleitorais e muitas pessoas acusam o PSD de cumplicidade com os “farcistas”. É um pouco hipócrita – o PS colaborou com o PCP, um partido que apoia a Rússia – mas é assim a política!

Coitada de Anfitriã…

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A Semana Política – Rui Tavares

O exercício de hoje é transcrever um discurso de Rui Tavares, um dos porta-vozes* e um dos fundadores de um partido pequeno chamado Livre. Livre é o partido do qual Joacine Katar Moreira (mencionada neste blogue) era membro antes de se demitir. Tanto quanto sei, ela passou a deputada não inscrita e ainda é membro da câmara, mas não conheço os pormenores de como ou de porquê. Hum… enganei-me, li na Wikipédia que ela perdeu a sua cadeira em 2022.

Eu disse num blogue de uns dias atrás que penso nele como um “pai centrista” (em inglês, “centrist dad”) porque fala contra o extremismo e a favor de as instituições, mas na verdade, o deputado não é nenhum centrista. O seu partido é pouco convencional mas é indiscutivelmente situado à esquerda do espectro político, só que fica nem perto do PCP nem dos outros partidos… hum… esquerdoidos**. Por falar nisso, antes de saber quem era, li um livro de Rui Tavares que fala sobre a divisão entre as duas alas políticas. Muitas pessoas gostam dele, mas, como observou o streamer Tji Pereira, “toda a gente gosta de Rui Tavares mas ninguém vota no Livre”

Enfim, escrevi a minha transcrição e depois liguei as legendas para verificar tudo. Infelizmente, acho que o texto das legendas foi gerado por um IA! Sublinhei os meus erros a laranja e as palavras que (na minha opinião infalível) não batem certo nas legendas e que (também na minha opinião) eu ouvi corretamente, em cor-de-rosa***. Finalmente cinzento significa que não há legendas.

Eu achei curioso que no debate de hoje foi o proponente que falou várias vezes em fascismo e fascistas porque normalmente é uma palavra que se usa pouco nesta câmara porque há uma espécie de receio em utilizá-la. Há muita facilidade a utilizar extrema-esquerda, comunistas, isso mesmo para quem não é do Partido Comunista Português

Senhor deputado, oiça, até agora conseguiu ouvir, conseguirá mais um minutinho. E curiosamente, sobre a tema essencial da história das democracias no nosso espaço geográfico, na Europa ocidental, foi como é que**** os regimes democráticos caíram. E caíram nos nossos países perante os fascismos.

Acerca disso, nunca falamos. Pois eu digo-vos… Não não, esquecequeria, queria o senhor deputado que esquecêssemos, mas não esquecemos porque esse é o tema fundamental. E sabe como é que caíram? Caíram quando as democracias não souberem cuidar de si, não souberam aplicar a lei, não souberam fazer leis que fossem compreen…

Eu compreendo o nervosismo, compreende-se tão bem o nervosismo, de um partido que nunca esclareceu de onde veio o dinheiro da primeira campanha, que foi legalizado com assinaturas falsas no Tribunal Constitucional, que vinha [???] de declarações… Compreendo muito bem que ainda ontem surgiu uma notícia que nos dias que as… Que o conselho consultivo que houve é de financiadores do próprio partido. Não vem falar disso? Saiu na Sábado*****, de ontem, compreendo tão bem o nervosismo. É que vocês ficam nervosos quando se fala daquilo que importa, que é a democracia defender-se…a democracia saber defender-se. Porque reparem numa coisa. Para a democracia (…senhor deputado tem de concluir… ) Concluirei muito rapidamente. Porque para a democracia se defender e ter futuro, ela precisa saber fazer funcionar as instituições. Para a democracia… Para a democracia se perder, é muito simples: perante precisamente partidos como os vossos, basta não fazer nada e eu espero que não seja aí que nós caimos.

*I had to check it wasn’t “portas-voz”!

**I’d almost forgotten this word. It doesn’t actually fit here but I’m leaving it in because I love knowing about terrible internet slang because it makes me feel like an anthropologist or something. “Esquerdista” might make more sense, or “extremista” or a range of other things, I suppose, depending on your point of view.

***I originally wrote “cor de laranja” but was glad to change it because every time I see cor de laranja and cor-de-rosa in the same sentence it reminds me how infuriating it is that one has hyphens and the other doesn’t but eu não faço as regras.

****Worth pointing out that some of the sentences he’s saying don’t seem to be grammatically correct: if you try and parse them out, you know what he’s driving at but the beginnings and endings of the sentences don’t always quite match up as far as I can see. This is an example.

*****I thought this was him mis-speaking but it’s the magazine (revista = feminine) called Sábado and it comes out during the week, not at the weekend, which is why he says it came out in yesterday’s Saturday!

Thanks as ever to Cristina of Say it in Portuguese for helping me sort this lot out.

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From Rui With Love

Estou a ver um vídeo antigo de Rui Tavares a falar na Assembleia da República mas há uma espiã* por trás do deputado. Passou despercebida porque andava disfarçada, com óculos escuros e um bigode falso.

*It’s a weird one, this. Espiã is technically the correct feminine form of espião, but apparently most people use espia, so much so that in this ciberduvidas article someone asks if espiã is just a typo. Note that espia is a nome de dois generos – in other words it replaces both espiã and espião. There’s also a purely feminine word espia, which means a cable. TBH, I’d prefer to use the accented words because it’s less ambiguous, especially when describing espionage in a naval setting, but obviously not everyone in Portugal is going to change the way they speak and write just because of what I say, so I’ll have to make space in my brain for both.

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Esquerda e Direita: Guia Histórico Para o Século XXI

So confused about which way to align this one

Esquerda e Direita – Rui Tavares

Adoro tanto estas edições da editora Tinta de China de cantos redondos. O livro vale mesmo a pena para quem se interessa na política. O autor afirma que as etiquetas “direita” e “esquerda” estão mais importante do que nunca, mesmo que o “campo de batalha” fique cada dia mais complicado, e tenhamos de ter em mente outros dimensões de político (global e nacional, autoritário e libertário) além daquelas. Embora os significados das palavras mudem ao longo dos anos e entre vários países, sem qualquer método de orientarmo-nos num espectro de opiniões, ficamos mais vulneráveis aos bitates dos demagogos.
O argumento do livro é muito justo. Quero dizer que o escritor nunca menospreza o ponto de vista dos seus rivais da direita, nem tenta branquear os crimes da esquerda. Mas defende a sua opinião: as categorias ainda fazem sentido, e os apoiantes de cada asa devem continuar em diálogo.