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Tamara Alves

Acabo de ler o livro que comprei no Festival Iminente, sobre a arte de Tamara Alves. Há pouco texto no livro e é bilíngue, mas ignorei o texto inglês porque não sou cobarde!

O livro consiste em quadros exibidos nas galerias como Galeria Underdogs em Lisboa, e em murais ao ar livre. Os quadros são excelentes: não há dúvida de que a artista é talentosa e sabe desenhar figuras realistas, mas também cria desenhos mais abstratos ou fantasmagóticos… Hum queria dizer “fantasmagóricos” mas acho que a minha gralha produziu, por engano, um adjetivo que até serve para descrever vários! São mais ou menos realistas, e incluem corpos e caras humanos e, às vezes, lobos. Fizeram-me lembrar filmes e séries da cultura popular, principalmente um filme do Studio Ghibli, chamado A Princesa Mononoke.

Mas para mim, os murais é que dominam a obra. O estilo da artista fica bem nas paredes da cidade. Em alguns exemplos, parecem fazer parte da paisagem. E os fotógrafos que tiraram as fotos exploraram o formato do livro para acentuar a beleza do ambiente em volta de cada um. Acima de tudo, gostei de um mural no qual o rosto de uma mulher é dividido em duas metades: uma velha pintada a preto e branco e uma mais nova e colorida. O fotógrafo dispôs a imagem numa página dupla com a divisão mesmo no centro, na divisão entre as duas folhas.

Num outro exemplo, um mural aparece entre duas árvores à noite. O fotógrafo iluminou a cena, mas a luz iluminava as folhas da árvore. Acho que usou um tempo de exposição longo porque as folhas, que flutuam ao vento estão tremidas estão bem iluminadas, que dá à fotografia um ar onírico.

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Menina e Moça

Menina e Moça de Bernardino Ribeiro

No livro que estou a ler, há um conto sobre um chimpanzé chamado Golo. Este primata* gosta de brincar com uma máquina de escrever automática. Um dia, Golo martela nas teclas durante algum tempo com os seus dedos grossos e além de números, letras e símbolos aleatórios, produz a seguinte frase: “Menina e moça, me levaram de casa de meu pae para muito longe”.

Para mim,”Menina e Moça” não é mais nada do que um fado de Carlos do Carmo, mas é evidente que o protagonista conhece a frase e que não tem nada a ver com o cotovelo no castelo. Ao longo dos dias, mais parágrafos aparecem da mesma novela. Fiz uma pesquisa e descobri que “Menina é Moça**” é um romance pastoral escrito por Bernardo Ribeiro em meados do século XVI. É considerado o primeiro livro do seu género na península ibérica e foi editado  quando um tal Miguel de Cervantes ainda estava a usar uma fralda***.

*As personagens humanas dizem “macaco”, pois não existe uma tradução equivalente da nossa “ape” mas acho que primata é melhor.

**The text wiki uses is different from what Golo comes up with. I don’t know if there’s any significance to that or if there are just different manuscript versions with slight differences in wording.

***OK, OK, he was about 7 I think, but these geniuses are often late developers, I hear.

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O Cultivo de Flores de Plástico

A primeira vez que disse “O meu autor português favorito é…” conclui a frase com “Afonso Cruz”. Gostei imenso do seu “Os Livros que Devoraram o Meu Pai” e “Para Onde Vão os Guarda-Chuvas” foi o meu primeiro calhamaço português. Mas hoje em dia acho os seus livros um pouco irritantes. Este é quase uma paródia do “À Espera de Godot” e dei comigo a bater com os dedos na mesa de impaciência.

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Atirar Para o Torto – Margarida Vale do Gato

Já me queixei deste livro noutros lugares mas isso não significa que o livro não seja ótimo, só que tenho mais olhos que barriga e escolhi um livro demasiado difícil. Li-o todo mas deu água pela barba. O meu dicionário está completamente gasto. Como resultado não gostei do livro assim tanto, mas aprendi algumas coisas.

Enfim, não recomendo este livro aos meus camaradas nesta viagem linguística mas se és português, o livro tem 3.3 estrelas no Goodreads e os leitores que o classificaram por lá terão opiniões mais úteis do que a minha!

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Primeiro Eu Tive Que Morrer – Lorena Portela

Hum… Já li montes de livros brasileiros neste verão, não é? Li este como Audiolivro no app Kobo no meu telemóvel enquanto tratava dos arbustos no jardim da minha mãe.

O livro conta a história de uma mulher que trabalha numa empresa cuja cultura é machista e “tóxica” (palavra de jovens, mas parece-me apropriada neste âmbito) e quer afastar-se de tudo e descansar. Durante esta viagem de autodescoberta, encontra novas amigas que a ajudam a entender a si própria. As mulheres partilham os seus traumas*, contam as suas histórias e dão conselhos umas às outras. Segundo o prefácio, a autora imaginou os seus leitores principalmente como mulheres, e é provável que as leitoras acharão mais fácil identificar-se com as experiências da protagonista. Para falar como homem, gostei da história mas não me marcou de mesma maneira como esta brasileira descreve no seu vídeo, o que não é surpreendente!

E falando como estudante de PT-PT, o sotaque da narradora é estranho, e a gramática também, claro, mas apesar disso achei a gravação muito fácil de entender. Não perdi o fio à meada tanto quanto como no último audiolivro brasileiro que li – O “Memórias Póstumas de Brás Cubas”

*New masculine-word-ending-in-A unlocked!

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Herança de Sangue – Penina Baltrusch

Conheci esta autora no FLILP há três meses. Achei-a muito simpática e é evidente que a sua obra tem muitas fãs no seu próprio país (aqui está uma brasileira a falar sobre o mesmo livro, por exemplo).

O romance é um thriller, que se passa em Inglaterra, e conta a história de uma funcionária de um call centre inglês chamada Ella, que descobre que foi adotada e que é a herdeira de um milionário. Em breve, apaixona-se por um rico e os dois casam-se, mas nem tudo é como parece. Em breve, a sua amiga está morta, ela mesma quase morre num acidente de trânsito e durante a sua lua de mel, ela cai montanha abaixo. Então é evidente que há alguém que quer se livrar da nossa heroína. Mas quem?

A escritora escreve bem: o diálogo parece-me natural e a ação não pára*. Infelizmente, achei o enredo um pouco rebuscado. Os planos do antagonista não têm pés nem cabeça, e há vários outros aspectos pouco credíveis. Basicamente, a experiência de ler este livro não é nada má, mas deixou-me insatisfeito. Talvez um conhecedor deste género, que esteja mais acustomado à suspensão de descrença possa gostar mais.

*Strictly speaking should be “para” following the Acordo Ortográfico but it’s the least popular change in the AO for obvious reasons, and even people who usually take care to follow the new rules tend to rebel on this one. I feel like I’ve written about this before but I can’t find it now, so here’s a Ciberdúvidas article for anyone who isn’t familiar.

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Memórias Póstumas de Brás Cubas

Mais um romance exigente. Ouvi-o como audiolivro que me deu água pela barba, e não só água mas leite e sumo de laranja também. Não estou acostumado a ouvir sotaques brasileiros durante tanto tempo.

Brás Cubas conta a história da sua própria vida após o fim da mesma. Refere-se várias vezes ao Candide de Voltaire, e realmente este livro é do mesmo género. O ritmo é mais lento: enquanto o Candide corre de cena para cena, este anda em saltinhos, de um assunto para um outro, com pensamentos aleatórios, uns profundos, outros engraçados.

O livro foi traduzido por Margaret Jull Costa (tradutora das obras mais recentes de Saramago) e também ouvi a versão inglês para reforçar a minha noção do desenrolar da história, e ainda bem, porque não compreendi muito bem o que o narrador brasileiro disse.

Eu sei que este livro está muito na moda atualmente por causa do elogio de uma influenciadora americana, e não tenho a mesma opinião, mas vale a pena, sem dúvida.

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O Clube de Leitura

Penance Eliza Clark

A minha filha, a autora, sugeriu que nós (mãe, pai e filha) lêssemos um livro juntos e depois discutíssemos as nossas opiniões uns com os outros. Escolheu o Penance (“Penitência”) de Eliza Clark para dar o pontapé de saída.

Fiquei impressionado pelo domínio da autora do seu enredo: a história é contada por um escritor de crime verdadeiro* que está a escrever um “livro dentro do livro” sobre um grupo de estudantes numa escola em Yorkshire. São raparigas com dezassete** ou dezoito anos cujos dramas, traumas e doenças mentais acabam em tragédia e três delas matam uma outra. Cada capítulo consiste numa série de entrevistas com familiares e amigos das raparigas. A história delas é, em si, incrível e Eliza Clark retrata cada um com uma personalidade realista e “dinâmicas de grupo” acreditáveis, mas o papel do escritor também está em causa. Quanto podemos confiar numa outra pessoa com os seus próprios motivos?

Falámos anteontem e todos gostámos (4/5 estrelas). Todos nós percebemos aspetos do livro que os outros perderam (por exemplo eu fui a única pessoa que não percebi que o nome do escritor no livro, Alec. Z. Carelli, é quase um anagrama do nome de Eliza Clarke (não é exato, mas sim perto!) e eu percebi uns pormenores partilhados entre as raparigas e outros adolescentes que cometeram crimes verdadeiros nas notícias***.

O livro de Setembro irá ser o Piranesi de Susanna Clarke. Mesmo sobrenome, outra grafia. Em Outubro sou eu que vou escolher um livro de autor chamado Klark.    

Penance de Eliza Clark (Audible, Amazon e que pena, não existe nenhuma versão portuguesa mas aqui está a página do Wook).

*I don’t think True Crime as a genre is very well-known in portuguese. I can see people using it (here for example) but the big kahuna of the genre, In Cold Blood by Truman Capote, is listed under “Jornalismo Literário / Romance de Não Ficção” on Wikipedia, so watch your step with this one.

**Just found out the brazilians even spell seventeen differently and now I want to smash everything.

***Might just be a coincidence but for example, one is “pretending to have a dealer”, which is a detail that appears in descriptions of the murderers of Brianna Ghey last year, and that seems to specific to be a coincidence. The two murders are very simple: apparent simple motives which were latched onto in the public imagination, but lurking just underneath are huge reserves of sadism, unhealthy online activity and general headfuckedness.

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Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Há um capítulo do Português em Foco que explica alguns pontos altos da literatura portuguesa. Um destes pontos altos é o Soneto. Esta forma de poesia é conhecida tanto em inglês quanto em português. Shakespeare escreveu muitos e neste exemplo o seu primo zarolho, Luís Vaz de Camões* também escreveu. Creio que tem mais influência em Portugal, Não tenho nenhuma perícia neste campo mas não acho que houvesse poetas famosos a escrever sonetos em Inglaterra no início do século XX. Em Portugal, sim**.

Um soneto consiste em 14 versos*** arranjadas em quatro estâncias – duas quadras e dois tercetos. Cada verso tem 14 decassílabos. Que raio é um decassílabo? Não faço a mínima ideia mas 14 deles é igual a dez sílabas. Neste exemplo, a rima segue um padrão: ABBA ABBA nas quadras e CDC DCD no tercetos (assinalado acores no transcrito infra), mas este padrão não é obrigatório. O poema “Rústica” de Florbela Espanca que memorizei em 2021 e que tentei, com o hubris dos ignorantes recitar ontem numa aula porque não tinha feito o TPC é um soneto mas corre ABAB ABAB CCD EED.

A forma poética é importante; o autor do livro afirma que “estamos perante um soneto perfeito” por causa do modo em que o poeta distribui os conteúdos pelas estrofes de maneira que cada estância tem o seu próprio tema.

O título do soneto é igual ao primeiro verso:

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades (Times change, intentions change)

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

*Obviously joking about their being cousins but this made me wonder if they were contemporaries. Sort of. They overlap by 16 years. Camões was about forty years old when Shakey was born.

**I don’t think I’ll be writing a history of anglo-lusitanian poetry anytime soon though, so definitely take this with a pinch of salt!

***OK, well here’s the first false friend for you: Verso doesn’t mean verse, it means a line of the poem.