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A Implosão – Nuno Júdice

O autor e poeta Nuno Júdice faleceu há pouco. Já li um livro dele, mas foi um livro de poesia e basicamente a minha perspetiva no mundo da poesia é barbárica, até no meu próprio idioma, portanto decidi comprar um romance dele. E que romance desafiante! Fui em busca de opiniões de outros leitores e encontrei um ensaio escrito por um académico da Universidade Católica de Portugal, que fala da “intertextualidade com alguns textos de Guerra Junqueiro ou O Marinheiro de Fernando Pessoa” e logo percebi que este texto podia estar fora do meu alcance!

Mas segui em frente e li o livro e gostei, apesar de tudo. Lembrou-me d’À Espera de Godot de Samuel Beckett, tendo como protagonistas duas pessoas num sítio irreal, com poucas outras pessoas. Falam de coisas que nem sempre fazem sentido: um caixão que talvez contenha armas, escondidas sob um cadáver que talvez seja também a pátria… Os dois têm um diálogo que anda em rodapés, tendo como assunto o seu passado na clandestinidade e a traição por sabe-se lá quem. Criticam o declínio do país e a desilusão das esperanças dos revolucionários do passado, e julgam que o Portugal de hoje, com os seus laços com a UE e as suas modernices é pouco melhor do que o Estado Novo, mas a atmosfera é tão absurda que é difícil (ou pelo menos eu acho difícil) entender o que o autor queria transmitir.

Nota-se que o ensaio fala da “geração de 70”, o que eu assumi significa “a geração que participou na revolução”. Mas enganei-me: A geração de 70 foi um movimento da década de 70 do século XIX. Pois… mais um assunto de mais uma pesquisa de mais um dia… Mas isto tudo alimentou o sentimento de estar perante uma obra cuja profundidade* não sou capaz de explorar!

*Depth, not depths. I translated too literally from english.

Thanks as ever to Cristina of Say it in Portuguese for the help

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O Que Dizer Das Flores

O que dizer das flores

Este livro tem uma capa bonita mas não julgamos um livro pela capa. Felizmente a história também vale mesmo a pena.

Não é uma história com um único protagonista. Há várias personagens que têm as suas próprias vidas e os seus próprios segredos, mas acho que o enredo centra-se* no pai da Catalina, cuja fuga da cadeia suscita a questão de se é** culpado ou inocente.

Mas o maior segredo de todos é este: de vez em quando, a narração passa para a primeira pessoa mas os protagonistas não interagem com quem está a falar, fazendo-nos*** perguntar, quem está a narrar isto tudo? O mistério desvenda-se ao longo do tempo, caso não tenhamos já adivinhado.

Lê-se bem, e até me fez rir. A minha única queixa é que queria ter lido o primeiro livro da série. Ouvi dizer que não era necessário lê-los em sequência mas há muitas referências aos acontecimentos do Onde Cantam os Grilos e acho que perdi algo por não conhecer as personagens antes de ler este segundo volume.

*gira à volta (revolves around) would have worked too, and is quite common, but some pedantic types might object to it being a tautology.

**Writing a stern note to myself because I wrote “for” here, instead of é. The “se” and the whole way it is joined onto the rest of the sentence seems to be setting it up for a subjunctive (future or maybe imperfect), which is what I thought, but I was wrong, because it isn’t setting up a hypothetical situation. If it was like “se for culpado, irá para a cadeia”, it would be subjunctive, but not here. Super-tricky, that one, at least for my way of thinking…

***I think strictly speaking there should be an extra “nos” here – Making us ask ourselves – but it sounds clunky and sometimes it’s better to be ungrammatical and soung good than be super’accurate and sound like a dork.

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Uma Aventura nas Férias da Páscoa

Uma Aventura nas Férias de Páscoa

Estou cada vez mais impressionado com esta série de livrinhos. Uma Aventura nas Férias de Páscoa conta a história dos nossos heróis a resgatar a Custódia de Belém, que foi roubada durante um nevão que aconteceu, inesperadamente, perto da Páscoa.

As autoras têm um feitio didático, portanto usam o romance para educar os leitores sobre as histórias da Custódia de Belém e o seu criador, os moinhos de maré no concelho de Seixal (na margem sul do rio Tejo) e não sei mais o quê.

Logo que terminei, abri a página do Kobo para comprar Uma Aventura na Ilha de Madeira.

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O Que Dizer Das Flores

Ando a ler 872 livros em simultâneo mas comecei ontem “O Que Dizer Das Flores” de Maria Isaac que tem uma capa bonita.  Existe um vídeo no YouTube no qual a autora lê o seu primeiro capítulo. Confesso que não entendi tudo apesar de ouvir três vezes, mas não fiquei desencorajado. Li o capítulo com os meus olhos, segundo a vontade de Deus. Gostei imenso, e li-o mais uma vez, sublinhando as palavras desconhecidas e as palavras que conheço mas que não fazem parte do meu vocabulário falado.

Tenho muita vontade de ler este livro. Além de ser interessante (até agora!) é desafiante. Acho que me vai desafiar, mas não é tão difícil que me vá chatear a cabeça.

Eis um resumo do capítulo que usa o maior número possível de palavras que me chamaram a atenção.

O capítulo apresenta um padre chamado Elias Froes, que vive em Monte-o-Ver, um vilarejo pequeno e parado, povoado por “ilustres atrapalhadas” e enjeitados incluindo os membros do seu rebanho.  Apesar de estarem ocupados com cochichos e pequenos dramas, mantém-se otimistas. Por exemplo, um tal cantoneiro tenta fazer o melhor com o que lhe sobra nesta esquina esquecida do país. Esmera-se no seu trabalho e acaricia as árvores. Como pano de fundo, a autora descreve uma paisagem montanhosa, com campos de arroz alagados e canaviais.

O padre, um homem bondoso, desloca-se para a igreja. Enquanto anda pelo caminho uma aura de pó embranquece a bainha da batina.

Cruza-se com uma criança empoleirada num murro. Debaixo da aba do seu chapéu de palha, cumprimenta-a como Catalina. Ela está resguardada pela folhagem do castanheiro e olha para o padre de soslaio. Tem o pato de estimação ao pé dela.

O padre pisa nos paralelos* da praça do município na hora de fechar**. Os lojistas saúdam-no enquanto rodam a sinalética nos vidros. Devolve-lhes os cumprimentos. A única exceção é o dono do Café Central, Jorge Mondego, um homem pouco simpático, nascido entre as barracas dos baldios longe do canavial, que levanta a mão num gesto ambíguo, ao qual o padre responde à cautela para não o incomodar.

Mas o padre tem um segredo. Irá morrer. Claro que todos nós esticamos o pernil no final de contas mas o padre tem os pés para a cova: leva no bolso um parecer médico que oficializa o destino.

“O rodar de sinalética” confused me but I’m pretty sure it means this. The rotation of signage. Everyone is busy shutting up shop and turning their signs round.

*The word paralelepípedo means cuboid, like the shape of a brick, and an individual brick is called a paralelos, so this just means he’s set foot on the pavement which is made of these rectangular bricks.

**I originally put “hora de fechamento” and that seems fine in Brazil but not in Portugal.

O Que Dizer Das Flores” is a standalone, but I’m told a earlier book, “Onde Cantam os Grilos” has some of the same characters, and so does a later work, Quantos Ventos na Terra, so if you are the sort of person who likes everything to be part of a trilogy, be aware that this is the middle book, and you don’t want to start here!

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Se Perguntarem Por Mim Digam Que Voei

Alice Vieira

Mais uma vez, virei a última página de um livro e pensei “Quem me dera ter desenhado uma árvore genealógica daquelas personagens” porque confesso que perdi o fio à meada muitas vezes e por isso não gostei da leitura tanto quanto os portugueses que lhe deram 4 ou cinco estrelas no Goodreads.

Alice Vieira escreve muito bem, e geralmente os livros dela são muito acessíveis. Talvez fosse por causa disso que não comecei com a devida cautela! Geralmente com tantos protagonistas eu pego num lápis e faço um diagrama das ligações entre eles*.

Se Perguntarem Por Mim Digam Que Voei” conta a história de várias mulheres que moram numa aldeia provinciana, que têm os seus próprios sonhos mas que vivem num ambiente opressivo. Existem alguns homens, mas assumem um papel menor. Também há um cheiro a bruxaria mas fiquei tão confuso que nem sequer tenho certeza de se magia existe no mundo do livro ou se era apenas uma expressão da imaginação delas. Eu sei, sou idiota.

Enfim, não faz mal. Talvez volte a lê-lo um dia.

*I originally made this feminine: tantas … elas, because the true protagonists of this are all wammens, but I suppose since it’s talking about books in general, and most books will have da mens in it, I ought to make it masculine again

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A Noite Em Que A Verão Acabou – João Tordo

Finalmente acabei de ler este calhamaço de 666 páginas! É um thriller que tem lugar em Portugal e nos Estados Unidos, entre 1986 e 2017. Como a maior parte dos thrillers, este é de leitura fácil, com poucas palavras difíceis, e um leitor não-nativo não se perderá num labarinto de cláusulas. O enredo também é simples. Mas… Ora bem, é simples mas não tem pés nem cabeça. Claro que muitos thrillers e policiais têm enredos rebuscados mas suspendemos a nossa incredulidade com a ajuda do autor. Se a bolha de confiança rebenta, está tudo perdido. Para mim, esta bolha rebentou com dez milhares de agulhas.

Por exemplo (aviso: a partir daqui, haverá spoilers):

A Noite em que a Verão Acabou - João Tordo

Não acredito por um instante que a Levi* ficasse presa, apesar da sua confissão. Ela era uma adolescente que tinha sido drogada por alguém e que não tinha memória das suas ações. As pistas (o sangue, a sua altura não ser suficiente) indicam que não podia ter cometido o crime, e havia um segundo assassínio na mesma noite, aparentemente cometido pela vítima dela. Não serão estes indicadores de que há algo mais complicado em causa? E a família é rica; recuso-me a acreditar que não conseguiram contratar um advogado capaz de lidar com este cenário ridiculo.

O enredo depende de muitas pessoas não serem capaz de identificar os seus próprios familiares. As duas vítimas não são quem toda a gente acham que sejam, ainda que a filha de uma tivesse confirmado e (presumo) o médico legista tivesse examinado a outra. Que raios?

Há duas pessoas que sabem bem que a Levi é inocente, porque ambos sabem o que o pai planeara, mas nem uma das duas interveio, apesar de ambas terem motivos para a ajudar. Uma dessas pessoas (Chefe Ditmas) explica a sua motivação, mas não é psicologicamente satisfatória. Tens uma obrigação para o teu amigo morto, pá, mas não te importas se a filha dele for para a cadeia durante 8 anos? És burro? E a segunda pessoa é o namorado dela, que preferia deixar a sua namorada inocente na cadeia como um bode expiatório em vez de confessar as suas próprias ações na noite em questão. Que cobardia. E após passar tanto tempo na cadeia por culpa dele ela fica com o mesmo gajo? É a personagem mais parva de sempre!

Afinal, a prova da falta de confiança, por parte do autor, no seu enredo é que nem a Levi, nem o seu namorado, que matou o pai dela, têm mais do que uma mão cheia de diálogo. Claro que o Tordo sabe bem que, se explicassem as suas motivações ao narrador no último capítulo, o leitor veria nitidamente quão absurdo era o que acabaram de ler.

(Mas tem 4.2 estrelas no Goodreads. Talvez seja eu a única pessoa que tem esta opinião negativa 🤷🏼)

*Not a mistake. Levi is female even though it’s more typically a boys name.

Thanks as ever to Cristina for splatting my errors.

And also thanks to the publisher, Companhia das Letras, for leaving a couple of typos in the text for us to find. I always love finding these because it makes me feel like an expert. Here’s one.

In the unlikely evebt that you still want to read the thing after reading my hatchet job, you can score a copy from Wook.

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Regras de Isolamento

Já li três romances desta autora mas este livro é um diário no qual ela fala do seu confinamento em casa e dos seus pensamentos e leituras durante a época mais escura da nossa história recente. Gostei menos deste do que da sua ficção (principalmente “A Visão das Plantas” que foi um dos meus livros favoritos do ano 2023) e, com o conjunto de fotos aborrecidas tiradas pelo conjuge dela, a preto e branco, senti-me ligeiramente deprimido quando virei a última página.

Para ser justo, não estou no melhor estado do espírito, atualmente, para digerir ensaios sobre assuntos pesados, e talvez o tenha julgado mais severamente do que era preciso, mas sinto o que sinto, e não gostei deste livro como dos outros…

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No Meu Bairro – Lúcia Vicente

No Meu Bairro de Lúcia Vicente
No Meu Bairro de Lúcia Vicente

Que livrinho esquisito. A autora escreveu uma série de poemas como ferramenta para educar crianças sobre a diversidade, e sem dúvida fez um bom trabalho. Os poemas rimam bem e são divertidos e as ilustrações são bonitas. Mas escolheu usar uma linguagem inventada. Baseou-se no sistema elu (descrito neste blogue) mas a autora acrescentou mais mudanças para ser ainda mais “inclusiva”. Existem professores que aceitariam um livro com palavras inventadas, não de forma lúdica mas com propósito didático, para impor uma reforma ortográfica como se as ditas palavras fizessem parte da língua partilhada pelo povo?

Acho muito estranho que pessoas que aceitam que uma cadeira seja feminina (quer dizer que a palavra o seja) e o conceito de medo seja masculino, sentirão a necessidade de criar uma sistema gramatical neutro mas só para falar sobre pessoas. E isto torna-se ainda mais parvo quando percebemos que a palavra “pessoa” é feminina. Será que ela acha um grande insulto referir ao seu ilustrador, Tiago M como “uma pessoa”?

Existem algumas mudanças do sistema de género que (na minha humilde opinião) fariam todo o sentido, e já falei delas no mesmo blogue mas desta forma, eu (como estrangeiro…), achei o sistema sem pés nem cabeça.

Mas tendo feito estas queixas sobre a gramática, achei a atitude da autora muito simpática. Ela ilustra os pontos de vista de um rapaz muito constrangido, uma rapariga que anda de cadeira de rodas, uma cigana, uma imigrante e vários outros. Até as duas crianças para quais o género é a tema principal da sua história, o Rodrigo (um rapaz que não encaixa dentro do estereótipo de comportamento masculino) e a Maria Miguel (uma rapariga que gosta de atividades, penteados e roupas estereotipicamente masculinos e por isso acha que muda do sexo de dia para dia) são tratados de forma sensível. Os pais e os professores deixam-nos experimentar e exprimir-se como querem, sem pressão e sem interferência de adultos bem intencionados mas estúpidos. Acho que, num livro americano, seriam capazes de ter um desfecho muito mais escuro.

Em suma, este livro apresenta um conjunto de poemas divertidos e educativos, mas estragados pela presença de algumas palavras feias distribuídas aleatoriamente através do texto.

Some examples: “es” here seems to be a plural article replacing os/as (so the singular must be “e”, I guess – isn’t that going to be confusing?) and leitorus is in place of leitores and leitoras. Why the unchanging “ouvintes” gets the same treatment, but criança (feminine) doesn’t become criançu is a mystery. Professorus is the only acceptable one because it sounds like a dinosaur with a lesson plan and I like the idea.

Se quiseres saber mais sobre o sistema elu em vez de ler apenas os meus resmungos de velho, aqui está a página a qual a autora refere no apêndice.

You don’t have to have dirty fingernails when you read it, but it helps.