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Cante Alentejano

Quando escrevi sobre a mudança da marca diacrítica no site do Jazz Café, não tive qualquer plano para lançar uma série, mas olhem, vai continuando a semana dos chapéus. Hoje volto ao tópico do Cante Alentejano.

Desde 2014, este género musical é considerado Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Esta honra é compartilhada com mais um género musical português, o fado. Consiste em dois cantores e um coro. O primeiro cantor é o ponto, e o segundo o alto. Mas cuidado, ambas estas palavras tem mais do que um significado. Eu sei menos que nada sobre a teoria da musica portanto fiz uma pesquisa e as definições relevantes do dicionário Priberam são o número 40 de Ponto: “Solista que inicia uma moda* no cante alentejano” e o numero 30 de Alto: “Solista de voz aguda que se segue ao ponto e que antecede a entrada do coro no cante alentejano.”

Portugal, August 2022: Tribute to cante Alentejano, monument in Monsaraz by Lago do Alqueva, Alentejo, Portugal

Se virem este vídeo, verem os dois solistas em ação: O ponto, de barba, na primeira fila, canta a primeira estrofe. Depois, o alto, quase escondido na segunda fila, entoa o primeiro verso da segunda estrofe antes do coro (incluindo ambos os solistas) cantarem o resto em uníssono. Este coro é o mesmo que colaborou com Zambujo no vídeo de ontem, O Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento. Neste contexto, um rancho é um grupo folclórico mas a palavra tem mais significados entre os quais “Grupo de pessoas, especialmente em marcha ou em jornada” também descreve o conteúdo deste vídeo!

I think the title of this video is wrong. I believe the song is called “A Moda do Chapéu

Quando ouço o cante alentejano, lembro-me sempre do Male Voice Choir (Coro da voz masculina) tradicional do País de Gales. Ambos têm raízes na cultura céltica, ambos nascem entre gente rural em aldeias marginais, longe do capital e ambos são cantados, tradicionalmente, por homens vestidos de roupa domingueira**. No caso do coro galês, isto aconteceu (tanto quanto sei) por preferência, mas em Portugal, a roupa tradicional foi reforçado pela influência conservador do Estado Novo que queria fomentar o património para os seus próprios motivos, mas basta do Estado Novo, já falei a mais daqueles gajos. Arruínam sempre tudo que eles tocam, e não quero associar o cante com o homem que caiu da cadeira.

Dw i’n hoffi y cerddoriaeth ma ond mae cerddoriaeth portugaleg ym well (I hope I didn’t screw that up too badly – I’m only about 6 months into the duolingo course)

Apesar das semelhanças superficiais, existem diferenças marcantes. Os galeses harmonizam mais. Não têm os dois solistas e não cantam de chapéu num supermercado. Segundo a Wikipédia, as origens do cante incluem elementos da tradição grega e dos colonizadores árabe.

A página da Wiki fala no seu último paragrafo, da estagnação do cante desde a segunda guerra mundial quando a mecanização da agricultura causou um declínio da tradição de cantar na lavoura. Como resultado o género sobrevive em grupos tradicionais como uma curiosidade ou uma atração turística. Não sou especialista, claro, mas parece-me que a forma não tem tenta flexibilidade como o fado, nem hipótese de se dinamizar por hibridação com outros estilos como aconteceu com o fado nas últimas décadas. E não importa assim tanto. Não precisamos de cante alentejano com um rapper a fazer beats entre as estrofes. Às vezes, podemos deixar a tradição em paz, perfeito no seu próprio nicho.

* AI meu deus, não quero sobrecarregar o texto de definições mas nota bem que “moda” também tem um sentido diferente neste contexto. É uma cantiga!

**Not a word I had come across. It means “relative to Sunday”. So roupa domingueira is your Sunday best! Not that anyone has Sunday best now, it was a dying concept even when I was young but I recognise it as something people had in books and comics written by the generation before!

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Os Chapéus dos Outros Cantores

Translation time!

I mentioned António Zambujo’s recently acquired brazilian hat yesterday, and it reminded me of this video where he’s singing with this choir of practitioners of Cante Alentejano, who wear traditional dress, including a very distinctive hat. Why Cante and not Canto? It’s just a regionalism. I’ve been meaning to do a proper post about Cante Alantejano for a while now and I must get around to that. Anyway, here we go…

PortuguêsInglês
Trago Alentejo na voz
Do cantar da minha gente
Ai rios de todos nós
Que te perdes na corrente
Ai rios de todos nós
Que te perdes na corrente
I carry Alentejo in my voice
From the song of my people
Oh the rivers that belong to us all
You can lose yourself in the current
Oh the rivers that belong to us all
You can lose yourself in the current
Ai planícies sonhadas
Ai sentir de olivais
Ai ventos na madrugada
Que me transcendem demais
Aí ventos na madrugada
Que me transcendem demais
Oh, plains of my dreams
Oh the feel of the olive groves
Oh the winds at dawn
That are too overwhelming
Oh the winds at dawn
That are too overwhelming
Amigos, amigos
Papoilas no trigo*
Só lá eu as tenho
E de braço dado contigo a meu lado
É de lá que eu venho
E de braço dado
Cantando ao amor
Guardamos o gado, papoilas em flor
Que o vento num brado
Refresca o calor
E de braço dado, contigo a meu lado
Cantamos o amor
Friends, friends
Poppies in the wheat
Only there do I have them
And arm in arm with you at my side
It’s there that I come from
And arm in arm
Singing of love

We tend the cattle, poppies in bloom
The wind in a howl
Cools the heat
And arm in arm, with you at my side
We sing of love
Ai rebanhos de saudades
Que deixei naqueles montes
Ai pastores de ansiedade
Bebendo água nas fontes
Ai pastores de ansiedades
Bebendo água nas fontes
Oh flocks of longing
That I left in those mountains
Oh shepherds of unease**
Drinking water in the springs
Oh shepherds of unease
Drinking water in the springs
Ai sede das tardes quentes
Ai lembrança que me alcança
Ai terra prenhe de gente
Nos olhos duma criança
Ai terra prenha de gente
Nos olhos duma criança
Oh place of warm afternoons
Oh the memories that come over me
Oh land, giving birth to a people
In the eyes of a child
Oh land, giving birth to a people
In the eyes of a child

*Adoro esta rima

**O que mais me surpreendeu é que achei “ansiedade” uma palavra mais “intraduzível” neste contexto do que a famosa “saudade”. Consigo imaginar a emoção de uma pessoa longe da sua terra: homesickness, sorrow, sadness, longing, não há problema com saudade. Mas “ansiedade” é cognata com a nossa “anxiety” o que é completamente fora da questão. Que mais? Linguee oferece vários alternativos, tipo “stress”, “trepidation”, “angst”. “Anticipation” é uma tradução muito comum: já ouvi montes de booktubers a falar da sua ansiedade por ler o novo livro numa série qualquer. A palavra serviria se o narrador fosse a caminho de casa mas não é. Optei por “unease” mas não estou cem por cento satisfeito!